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sábado, 28 de abril de 2012

A História de Mora: o fato se impôs, e Collor caiu

ACM tentou impedir que o impeachment do então presidente desse chance de Itamar assumir









Fernando Collor e RosaneARTE SOBRE FOTO DE ARQUIVO

Dezenove anos depois da epopeia das suas anticandidaturas à Presidência e vice-presidência da República, respectivamente, em 1973, contra o general Geisel, contada no capítulo anterior, Ulysses e Barbosa Lima Sobrinho voltaram a se reencontrar na deposição do presidente Fernando Collor. O primeiro, na condição de “O Senhor Impeachment”, e o segundo, como primeiro signatário do pedido de abertura de processo de cassação do presidente da República.



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E é daquele momento, precisamente o da criação da CPI do PC, que eu quero falar hoje. Eu já disse aqui, e nunca foi novidade para ninguém, que as principais lideranças políticas do país não queriam a CPI, incluindo o meu marido, autor desta frase: “CPI, a gente sabe como começa, mas não sabe como termina.”


E os políticos temiam justamente pelo imponderável. Não queriam CPI, mas também não queriam jogar toda aquela sujeirada para baixo do tapete. Queriam que todas as investigações fossem feitas pelo Ministério Público.


A reação contrária à CPI, portanto, era movida mais por uma atávica prudência da elite política do que por qualquer alinhamento com o governo Collor.


A exceção era apenas o governador do Rio, Leonel Brizola, que passou a ocupar uma verdadeira rede da legalidade, através de entrevistas, defendendo o mandato do presidente Collor, mas com a ressalva de que não compactuava com os crimes praticados pelo PC Farias. Brizola alegava que, se tivessem de fazer CPI para investigar Collor, teriam que fazer outra para investigar Quércia, pela venda da Vasp, através de um espúrio empréstimo da Petrobras, feito a mando do PC Farias.


Ulysses vivia naquele jogo, tateando pelas paredes. Já sem nenhum cargo no comando do PMDB e sem função de relevância no Parlamento, meu marido tinha como único trunfo a autoridade nata, que, às vezes, até a mim impressionava, principalmente quando íamos a locais públicos, como restaurantes, teatros etc. Não me lembro de uma vez sequer em que Ulysses não tivesse sido aplaudido nessas aparições públicas. Minto, teve uma única vez. Fomos ver um espetáculo da Marília Pêra, e ela, no meio da apresentação, anunciou a presença de Ulysses na plateia.


Gente, a plateia veio abaixo numa imensa vaia. Acredito — e ele próprio me garantiu — ter sido essa a única vez em que meu marido conviveu com a vaia. E o que fez a Marília Pêra? Meus amigos, essa mulher virou bicho! Ameaçou parar o espetáculo, condenou a falta de educação da plateia e o desconhecimento de que estavam diante de um homem que dignificava a política. Resultado: o clima se inverteu, e Ulysses acabou aplaudido de pé. Em casa, comemorava com a nossa fiel Geralda:


— Aquela mulher é um fenômeno, Geralda! Domina e lidera o público com a sua autoridade cênica.


Voltemos à CPI.


Já contei aqui, também, até por uma questão de justiça, que o país deve muito ao Orestes Quércia a convocação dessa CPI. Esse reconhecimento, porém, não ofusca em nada, pelo contrário, só realça o grande poder de articulação do Lula, que, primeiro, trouxe o presidente do PSDB, Tasso Jereissati, e, depois, o próprio Quércia para o movimento.


Vocês devem estar se perguntando quem e como conseguiu fazer com que Ulysses, refratário inicialmente à CPI, não só a aceitasse como também viesse a receber, mais tarde, o honroso título de “Senhor Impeachment”, pelo trabalho de aliciamento de votos para a votação na Câmara.


Na CPI do PC, de novo, a volta por cima


Como já fizera no episódio da candidatura de Tancredo Neves, Ulysses tomou a linha de frente


Ulysses recorreu, como sempre, à filosofia do herói francês — “Estou cercado, eu ataco”. Ao contrário de Brizola, que dizia abertamente que não seria caudatário de Lula, Quércia e Tarso, meu marido, como fizera na candidatura de Tancredo, mais uma vez deu a volta por cima e assumiu o comando do processo.


E, do aprendizado que transmito aqui sobre a convivência com Ulysses, vocês devem se recordar que ele, também, sempre ensinou que é preciso ter muito cuidado com a prudência para que ela não acabe se transformando em covardia.


Meu marido percebeu, pelo turbilhão de denúncias, que, naquele deserto de honestidade do governo Collor, até caldo de galinha fazia mal aos cautelosos. E botou para quebrar, como dizem.


Com a CPI a todo vapor, Ulysses e eu fomos ao Amazonas conhecer a “Escola da natureza”, da rede de colégios Objetivo, a convite do professor João Carlos Di Genio. Foi a primeira vez que viajei com meu marido por aqueles igarapés, um dos marcos da sua anticandidatura. Ulysses parecia um menino: saía à noite de canoa com professores e alunos para ver jacarés e outros bichos da selva amazônica.


Certa noite, trocamos o barco-escola por aquele famoso hotel construído em cima das árvores. Fomos agraciados com a “suíte” principal. Para meu desespero, não tinha televisão no quarto nem nada que pudesse poluir aquele ambiente naturalíssimo. Não me contive:


— Gente, não posso perder Jorge Tadeu ( personagem de Fábio Jr. em “Pedra sobre Pedra”).


Uma funcionária mostrou-me o mapa da mina: na ala de serviço, tinha uma TV que funcionava à base de bateria. Ulysses e eu fugimos para lá. Ninguém nos achou, e fomos dados como desaparecidos enquanto durou a novela.


De volta à terra firme, já no Hotel Tropical de Manaus, morto de cansaço, Ulysses recebe um recado na recepção:


— O vice-presidente Itamar Franco está hospedado conosco e pede que o senhor ligue para o quarto dele, não importa a hora. Ele diz que é muito importante — informa solenemente o gerente.


Tranquilizando Itamar Franco


“Meu caro, ninguém anuncia golpe pela imprensa. Golpe avisado é bravata”


Ulysses coça a cabeça, com ares de preocupação, e liga para Itamar. Meu marido sempre foi muito atento ao protocolo. Itamar queria vir à nossa suíte, mas, por ser ele autoridade maior, caberia a Ulysses ir até os aposentos presidenciais. Meu marido encontrou um assustado Itamar, com o fac-símile de uma revista na mão, cuja capa era Antônio Carlos Magalhães, então governador da Bahia, afirmando categoricamente que, com a deposição do presidente da República, o vice não assumiria. Itamar e ACM eram inimigos viscerais.


— Doutor Ulysses, tenho informações reservadas de que esse governador está liderando uma rebelião para evitar a minha eventual posse. Eu preciso da sua ajuda — apelou Itamar.


— Me dê uma semana, e resolvo isso! — prometeu Ulysses.


— Mas não é muito tempo? E se esse senhor...


— Meu caro, ninguém anuncia golpe pela imprensa. Golpe avisado é bravata! — meu marido tranquilizou-o.


Cinco dias depois, Ulysses teve uma reunião secreta com ACM, num escritório próximo à representação do governo da Bahia em Brasília. Meu marido foi direto:


— Para evitar a CPI, eu te propus tutelarmos o Collor, como se faz com um aluno vadio: olhar boletim, dever de casa etc...


— E aí? --- perguntou ACM, até com uma certa rispidez, por não saber onde terminaria a conversa.


— E aí, governador, é que perdemos. Fomos atropelados pelos fatos.


— E isso quer dizer o quê? — insistiu ACM, já se mexendo todo na cadeira.


— Que Itamar vai assumir no lugar de Collor. Esse é o fato, governador. O fato é a maior autoridade da política. Tão reverenciado que De Gaulle o chamava, merecidamente, de “Sua Excelência o fato!”.



fonte:http://oglobo.globo.com/pais/a-historia-de-mora-fato-se-impos-collor-caiu-4765034#ixzz1tNmXX95E

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