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sexta-feira, 13 de maio de 2011

"Dia da Consciência Negra" retrata disputa pela memória histórica

 
"Dia da Consciência Negra" retrata disputa pela memória histórica
Preservar a memória é uma das formas de construir a história. É pela disputa dessa memória, dessa história, que nos últimos 32 anos se comemora no dia 20 de novembro, o "Dia Nacional da Consciência Negra".


Nessa data, em 1695, foi assassinado Zumbi, um dos últimos líderes do Quilombo dos Palmares, que se transformou em um grande ícone da resistência negra ao escravismo e da luta pela liberdade. Para o historiador Flávio Gomes, do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a escolha do 20 de novembro foi muito mais do que uma simples oposição ao 13 de maio: "os movimentos sociais escolheram essa data para mostrar o quanto o país está marcado por diferenças e discriminações raciais.

Foi também uma luta pela visibilidade do problema. Isso não é pouca coisa, pois o tema do racismo sempre foi negado, dentro e fora do Brasil. Como se não existisse".


Como surgiu o Dia da Consciência Negra



No dia 20 de novembro de 1695, o negro Zumbi, chefe do Quilombo dos Palmares, foi morto em uma emboscada na serra Dois Irmãos, em Pernambuco, após liderar uma resistência que culminou, também, com o início da destruição do Quilombo.

O Quilombo dos Palmares foi uma comunidade criada pelos escravos que fugiam de seus senhores para viver em liberdade. Houve uma época em que o Quilombo abrigou mais de 20 mil pessoas.

 Zumbi nasceu no Quilombo mas, ainda recém-nascido, foi capturado e entregue a um padre, que lhe deu o nome Francisco, o ensinou a ler e a escrever. Aos 15 anos de idade, o menino resolveu voltar ao Quilombo, onde, pouco tempo depois, tornou-se líder. Em 1995, após 300 anos de sua morte, Zumbi foi reconhecido como herói nacional.

As rebeliões de escravos foram bastante freqüentes no período colonial. Os negros fugidos escondiam-se na mata e organizavam-se em grupos, para sobreviver à hostilidade do ambiente e às investidas dos brancos.

Os grupos, internamente coesos, recebiam o nome de quilombos e as aldeias que os compunham, de mocambos. O mais conhecido dos quilombos foi de Palmares, pois foi o que mais tempo durou (1630 -1695), o que ocupou maior área territorial (cerca de 400 km2 dos atuais estados de Pernambuco e Alagoas) e o que resistiu mais bravamente aos ataques dos brancos.

Palmares se organizou como um verdadeiro Estado - com as estruturas dos estados africanos, onde cada aldeia tinha um chefe, os quais elegiam seu rei - e possuía um verdadeiro exército, além de fortificações em torno das aldeias, que deixaram os comandantes brancos admirados.

Tinha uma produção agrícola bem avançada, que dava para a subsistência das aldeias e ainda produzia um excedente que podia ser negociado com mascates e lavradores brancos. No entanto, a própria existência de um Estado independente dentro da colônia era inaceitável para os portugueses, que consideravam Palmares como seu maior inimigo, depois dos holandeses.

O primeiro rei de Palmares foi Gangazumba, que comandou uma bem-sucedida resistência, repelindo dezenas de expedições dos brancos. Em 1678, assinou uma trégua com o governador Aires de Souza e Castro - atitude que dividiu o quilombo.

Em conseqüência, Gangazumba terminou por ser envenenado. Foi substituído por Zumbi que já era um líder respeitado e que se tornou o grande herói dos Palmares. Várias investidas foram feitas contra o quilombo: duas ainda sob o domínio Falar sobre o Dia Nacional da Consciência Negra nos faz parafrasear Patativa quando ele propõe o respeito às diferenças. Acreditamos que isto não deve ser encarado como concessão ou exceção a uma regra socialmente estabelecida, mas como o direito de igualdade em oportunidades entre os indivíduos.

O dia 20 de novembro marca o assassinato do líder Zumbi dos Palmares, oficializado herói nacional, por ocasião do tricentenário de sua morte em 1996. Símbolo da resistência contra o racismo, a opressão e as desigualdades sociais. Marca da resistência dos povos contra o colonialismo, o imperialismo e o terrorismo em todo o mundo, sob todas as formas.




“Zumbi representa para nós: negros, mestiços, mulatos (povo brasileiro) - a liberdade. Liberdade conquistada com a força da esperança e fé nos Deuses e muita alegria, acreditando que o amanhã será melhor.”


 Construindo o "Dia da Consciência Negra"

O 20 de novembro trata da data do assassinato de Zumbi, em 1665, o mais importante líder dos quilombos de Palmares, que representou a maior e mais importante comunidade de escravos fugidos nas Américas, com uma população estimada de mais 30 mil.

Em várias sociedades escravistas nas Américas existiram fugas de escravos e formação de comunidades como os quilombos. Na Venezuela, foram chamados de cumbes, na Colômbia de palanques e de marrons nos EUA e Caribe. Palmares durou cerca de 140 anos: as primeiras evidências de Palmares são de 1585 e há informações de escravos fugidos na Serra da Barriga até 1740, ou seja bem depois do assassinato de Zumbi. Embora tenham existido tentativas de tratados de paz os acordos fracassaram e prevaleceu o furor destruidor do poder colonial contra Palmares.

Há 32 anos, o poeta gaúcho Oliveira Silveira sugeria ao seu grupo que o 20 de novembro fosse comemorado como o "Dia Nacional da Consciência Negra", pois era mais significativo para a comunidade negra brasileira do que o 13 de maio. "Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão", assim definia Silveira o "Dia da Abolição da Escravatura" em um de seus poemas. Em 1971 o 20 de novembro foi celebrado pela primeira vez. A idéia se espalhou por outros movimentos sociais de luta contra a discriminação racial e, no final dos anos 1970, já aparecia como proposta nacional do Movimento Negro Unificado.

A diversidade de formas de celebração do 20 de novembro permite ter uma dimensão de como essa data tem propiciado congregar os mais diferentes grupos sociais. "Os adeptos das diferentes religiões manifestam-se segundo a leitura de sua cultura, para dali tirar elementos de rejeição à situação em que se encontra grande parte da população afro-descendente”.

Os acadêmicos e os militantes celebram através dos instrumentos clássicos de divulgação de idéias: simpósios, palestras, congressos e encontros; ou ainda a partir de feiras de artesanatos, livros, ou outras modalidades de expressão cultural.

Grande parte da população envolvida celebra com samba, churrasco e muita cerveja", conta o historiador Andrelino Campos, da Faculdade de Formação de Professores, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

 "É importante que se conquiste o "Dia Nacional da Consciência Negra" como o dia nacional de todos os brasileiros e brasileiras que lutam por uma sociedade de fato democrática, igualitária, unindo toda a classe trabalhadora num projeto de nação que contemple a diversidade engendrada no nosso processo histórico".


Para o historiador Flávio Gomes, do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a escolha do 20 de novembro foi muito mais do que uma simples oposição ao 13 de maio: "os movimentos sociais escolheram essa data para mostrar o quanto o país está marcado por diferenças e discriminações raciais. Foi também uma luta pela visibilidade do problema. Isso não é pouca coisa, pois o tema do racismo sempre foi negado, dentro e fora do Brasil. Como se não existisse".

O projeto neoliberal implantado em nosso país acirra as desigualdades, afetando, ainda mais, as parcelas menos favorecidas da população brasileira. Em pesquisa realizada pelo DIEESE (1998) são apresentadas informações que comprovam a discriminação à população negra, tomando por base as regiões metropolitanas.



Taxas de Desemprego por Sexo e segundo a Raça
Regiões Metropolitanas
Negros
Não Negros
Diferença entre as taxas
Mulheres
Homens
Mulheres
Homens
Mulheres negras e mulheres não negras
Homens Negros e Homens não negros
São Paulo
25
20,9
19,2
13,8
19,6
51,4
Salvador
27,6
24,0
20,3
15,2
36,0
57,9
Recife
26,3
20,5
22,6
16,2
16,4
26,6
Distrito Federal
22,4
18,9
21,0
14,2
6,7
33,1
Belo Horizonte
20,5
15,8
16,8
11,5
22,0
37,4
Porto Alegre
22,7
19,2
18,1
13,1
25,4
46,6
Fonte: DIEESE/ SEADE e entidades regionais - Pesquisa de Emprego e Desemprego
Obs.: Raça Negra: pretos e pardos; raça não negra: brancos e amarelos

Os dados apresentados demonstram que as taxas de desemprego entre homens e mulheres, negros (as) e não negros (as) ainda registram valores muito elevados. Se compararmos a diferença das taxas entre homens negros e não negros, com mulheres negras e não negras, a maior diferença estará em relação às mulheres negras, já que estas apresentam, em todas as regiões, as maiores taxas de desemprego.

No entanto, este debate não se encerra na mera inserção no mercado de trabalho. Deve ser acompanhado pelos números que registram a taxa de analfabetismo o número de anos de permanência na escola e a média de rendimentos salariais.

Na Síntese dos Indicadores Sociais - IBGE (2000) é apontado que, em 1999, a taxa de analfabetismo entre pretos e pardos é de 20%, enquanto entre os brancos cai para 8,3%. Quando demonstram o número de anos de permanência na escola as estatísticas não são diferentes: os pretos passam 4,5 anos, os pardos 4,6 anos e os brancos 6,7 anos. Isto demonstra que os pretos e pardos saem mais cedo da escola, o que irá refletir, diretamente na população jovem, quanto ao acesso ao nível superior e ao mercado de trabalho.

Quando empregados (as) os níveis salariais também servem para denunciar a discriminação econômica e de gênero. Conforme Sueli Carneiro e Thereza Santos, na obra "Mulher Negra" : 83,1% das mulheres negras trabalham na agricultura e na prestação de serviços (principalmente como empregadas domésticas); 60% não têm registro em carteira. Quanto à média salarial, os homens brancos recebem 6,3% salários mínimos (s.m), os negros 2,9 s.m, as mulheres brancas 3,6 s.m e a s mulheres negras 1,7 s.m Tais dados tornam-se ainda mais gritantes quando se estima que o número de mulheres chefes de família no país varia entre 20% e 25%. As condições de trabalho e salários destas mulheres refletiram diretamente no grau de pobreza dessas famílias.

O projeto do Dia Estadual da consciência negra a ser comemorado em cada dia 20 de novembro originou a Lei de n.º 12056 de 12 de janeiro de 1993, onde estabelece que o Governo e a Assembléia legislativa promoverão atividades alusivas a esta data. Ficou instituído também que as comemorações nas escolas públicas estarão relacionadas a dedicação das atividades curriculares para abordagem de temas relativos a participação do negro na história do Brasil.

Remeto-me, nesse momento, a todos aqueles que lutam, alguns chegando a dar a própria vida, em nome da liberdade, da democracia e do respeito às diferenças. Dos povos indígenas à Zumbi dos Palmares; dos negros (as) escravo (as) a Joaquim Nabuco, de Chica da Silva aos poetas Cruz e Souza, Lima Barreto; de Castro Alves à Jorge Amado; do Mestre Aleijadinho ao Geógrafo Milton Santos; de Chiquinha Gonzaga aos guerrilheiros e guerrilheiras do Araguaia. Nesta data símbolo da resistência saúdo a todos que lutam e lutaram na construção de um mundo justo e igualitário.

Para a socióloga Antonia Garcia, doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é importante que se conquiste o "Dia Nacional da Consciência Negra" "como o dia nacional de todos os brasileiros e brasileiras que lutam por uma sociedade de fato democrática, igualitária, unindo toda a classe trabalhadora num projeto de nação que contemple a diversidade engendrada no nosso processo histórico".







 Referências bibliográficas:

 ACDS – Associação Cultural e Desportiva Samburá

DIEESE
Reportagem da revista Com Ciência, editada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC

www.comciencia.br/reportagem

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